sexta-feira, novembro 14, 2003

Amor-bondade

Há muitos anos houve alguém que tentou explicar-me as várias formas de amor que existem. Porque, no seu entendimento, o amor tem muitas faces, assim a modos como que um carácter diferente para cada pessoa.
Na altura custou-me a apreender o conceito e a finalidade com que me era transmitido. Temos destas coisas, lapsos de tempo impossíveis de evitar entre o input que nos fornecem e a sua compreensão, com diversí­ssimos factores condicionantes a ditar a velocidade a que processamos dados vitais e a capacidade de os pôr em prática.
Então, de acordo com a sábia apreciação dessa pessoa, o amor tem para cada um de nós, um carácter diferente, que acaba por ser muito parecido com a nossa maneira de estar na vida, sonhos e objectivos, a nossa forma de dar e receber (amor e outras coisas, que geralmente se dão e se recebem da mesma maneira).
O exercício do amor é, desse ponto de vista, um reflexo ou o prolongamento da nossa forma de nos relacionarmos com os outros em termos gerais. Ou vice-versa.
Na altura a coisa entrou-me a vinte e saiu-me a cem. Mas o essencial ficou de pousio para posteriores considerações. Hoje, em amena cavaqueira pela noite fora e a propósito das curiosas relações que mantemos pela vida fora, desencontros e incapacidades manifestas para entendermos o que nos ligou, no passado, a determinadas pessoas, veio-me a lembrança do que ouvi há tanto tempo.
Recordei uma expressão que me ficou como referência e sobre a qual nunca reflecti devidamente: o amor-bondade.
Amor que transpira bondade, uma qualidade que não se cultiva em todos os afectos. Vou repetir um lugar-comum: o amor só não chega. Há muito mais no exercí­cio do amor do que o amar e ser amado. Há um sem-número de outras peças que também devem encaixar-se para o mecanismo funcionar. Mesmo quando o encantamento ainda tem lugar, quando a paixão ainda lá está, quando se aposta o que se tem e o que não se tem, quando a desistência ainda é uma palavra impronunciável.
São muitas as formas do amor, da egoí­sta à ardente, da tranquila à turbulenta, you name it.
O amor-bondade é apenas uma delas. O meu favorito, em definitivo. O que nos resgata do amor-amargura, do amor-competição, do amor-inveja, do amor-infelicidade, do amor-cinismo, do amor-vergonha, do amor-vaidade.
A nossa viagem pelo amor tem vários apeadeiros. Todos eles com os seus encantos e desencantos. E chegar ao nosso destino com a capacidade de reconhecer o amor pelo qual gerimos todas as nossas expectativas e pelo qual também nos desencantámos é, para mim, a derradeira recompensa.
É por isso que o amor-bondade é o meu favorito. Não importa quantas vezes nos tenhamos desiludido e desistido. O amor-bondade está lá sempre, ele próprio também castigado, mas sempre disposto a voltar a acreditar, a entregar-se com generosidade e a receber com naturalidade.
Digam-me lá se também não votariam nele se vos batesse à porta...

1 comentário:

Anónimo disse...

O Amor-bondade É, aliás, o único que merece o nome de AMOR, não é?
Com carinho e amor-bondade,
Élia