Prometi a alguém um post sobre balanças e aqui vai.
Antes de me atirar a esses adoráveis mecanismos indiciadores de culpa para quem se submte à tirania do folião Júpiter (o implacável deus da sorte e do aumento da cintura), first things first, como dizem os outros, e já vão perceber porquê...
A receita do pudim de natal deixada nesta página por uma simpática comentadora foi o início de uma digressão ruinosa nas últimas duas semanas do ano passado que, graças ao generoso deus acima mencionado, se arrastou até hoje.
É que o malfadado pudim levou a três dias de judiciosa preparação de bacalhau, esfiado (peçam-me a receita, que é imperdível), canja, rabanadas, sonhos de abóbora, empanadilhas, bolo e mousse de chocolate, bolo Vicente, pão de ló (este é o melhor do mundo, garanto-vos), frutos secos, bolo-rei e outras miudezas de tremendo valor calórico que, graças às animadas conversas em família, se foram degustando até às cinco e seis da manhã, regadas com generosas porções de vinho tinto, verde, champanhe, chá e café.
Boxing day chegado (este é o dia 26, que os ingleses gastam a abrir as prendas das boxes que se acumulam no sapatinho, meia ou árvore de natal), a salvação consistia em ir até Lisboa e gastar as calorias em enérgicos passeios pela lusa metrópole.
Eis senão quando, antes da partida, surge um último convite para 'comer qualquer coisinha' e seguir viagem 'mais confortada'. Descodificação: quarto round de esfiado, bacalhau e guloseimas de natal - afinal, há que dizimar os restos...
Escusado será dizer que a viagem, já a altas horas da noite, se fez em grande tranquilidade e na companhia de mais sonhos de abóbora, filhós e empanadilhas, fatias de bolo que até metiam dó de apertadas que iam nos tupperware.
A primeira paragem, em casa de família, deu origem a uma calorosa troca de cumprimentos e de iguarias: já provaste as minhas empanadilhas? estes sonhos foram feitos pela tua neta... não querem uma fatiazinha de peru? vai lá buscar o recheio que isso assim não tem graça nenhuma! o teu bolo ficou mais fofo que o meu... estes doces de leite e coco foram feitos pelo teu sobrinho. olha, vê lá como ficaram os mexidos...
Pelas duas e meia da manhã a única salvação seria um cross das Amendoeiras entre Cascais e Carcavelos, que não chegou a fazer-se por coma técnico dos candidatos a atletas - a soma de horas de sono dos últimos cinco dias pouco ultrapassava 600 minutos.
Os dias seguintes, planeados como uma tranquila estada entre a cama, os passeios à beira-mar e a visita de algumas jóias da capital, rapidamente se reformularam em jantar em família-italiano à lapa-ceia francesa-jantar de fim de ano-jornada gastronómica alentejana-sabores indianos-jantar íntimo com uma dúzia de esmerados pantagruéis.
Depois desta visita de gourmets ao Sul, o regresso às terras nortenhas significava, em princípio, o retorno à frugalidade. Ingenuidade da minha parte...
Nestas coisas há que contar com 'qualquer coisinha preparada à pressa' para receber os viajantes extenuados, o jantar das janeiras, parcimoniosamente dividido em três partes (família - partes I e II, amigos - partes I e II, e digressões domésticas de trocas tardias de presentes - partes I, II, III e IV).
Last, but not least, um jantar de aniversário com diversas provas a prestar: a dos salgados, a dos doces e... ai, paro por aqui!
A partir de amanhã estou em re-hab. Dois litros de chá de seiva por dia até dissolver as barreiras anatómicas que se interpõem entre mim e a roupa criteriosamente escolhida há dez quilos atrás.
E agora entramos na parte das balanças.
Enfrento penosas decisões:
Devo subir para o engenho todos os dias de manhã e chorar de desespero, ou beber os meus dois litros durante oito dias e roer as unhas até me decidir a enfrentar de novo o veredicto dessa malfadada medidora de infâmias?
Devo acordar mal disposta e manter-me azeda e mal-humorada, ou começar a ter visões zen e sorrir beatificamente sempre que alguém passar por mim com uma taça de flocos embrulhados em iogurte?
Devo trancar-me no quarto e submergir ao fim de oito dias, ou arriscar enérgicos passeios à beira-mar para afastar os maus espíritos que acodem aos deprivados de ingestão de sólidos?
E por que balança optar: a electrónica, que só anuncia pulos de meio quilo para a frente e para trás, a velhota, que oscila mais quilo menos quilo e me deixa arrasada de dúvidas, ou a do médico, que me irrita, muito decididamente, porque tem obviamente dois quilos a mais do que qualquer outra?
Para que é que eu prometi um post sobre balanças? Por que é que o hipertiroidismo não nos dá nas festas? Por que é que o Governo não atribui um subsídio de compensação para quem passa a vida a pôr e a tirar umas arrobas de cima, deductível nos impostos e isenção de IVA e a obrigatoriedade de um XXXM em vez do discrimidador XXL?
(Já a seguir: posting "Calorias Zen, em 10 lições sem mestre")
Sem comentários:
Enviar um comentário